Depois de um longo período com muito capital disponível e exigências pequenas por parte dos investidores, as startups gigantes – os unicórnios – se depararam com uma mudança rápida e grandiosa no mercado: os investidores agora querem saber de lucro. Não é mais suficiente que uma startup, que está no mercado há mais de meia década, ser líder de mercado e não ter nenhum lucro.
As regras do ecossistema de startups costumavam deixar investidores de bolsa de valores de queixo caído. “Lucro não importa”, “estamos investindo baseados no valor futuro da empresa” ou “precisamos crescer a todo custo”: essas eram afirmações frequentes no mundo do Venture Capital, mas que agora devem começar a desaparecer em um mercado mais exigente.
Claro, a máxima de que as startups precisam sim queimar dinheiro durante o período inicial de seus negócios – para crescer e dominar um mercado – continua valendo. Mas por menos tempo: para quem já está no mercado há quase uma década e está captando centenas de milhões de dólares, as exigências passarão a ser outras. Agora, entregar uma perspectiva de quando o negócio se tornará lucrativo no curto prazo passa a ser exigência mais comum no ecossistema de inovação.
O problema das gigantes
Os movimentos sísmicos no mercado de inovação chacoalharam até startups gigantes e reconhecidas: Netflix, Nubank e Uber, que o digam. A primeira, começou a sofrer com a competição com outros serviços de streaming, que são de empresas que possuem diversas outras verticais para dar lucro, o que torna a produção dos conteúdos mais fácil, podendo inclusive dar prejuízo. Para se manter na briga, a Netflix terá que subir cada vez mais o valor da assinatura e entregar conteúdo original – e caro – cada vez mais frequentemente.
O Nubank, depois de aguardar anos para realizar seu IPO, se viu em um mercado com menos apetite por resultados futuros: os investidores querem ver os negócios dando lucro agora e não o potencial de lucro no futuro. O resultado? A correção de preço do valuation das empresas tech nas bolsas de valores (no Brasil e internacionais) representou uma queda de mais de 65% nas ações do Nubank desde o IPO.
A última a sentir os abalos foi a Uber. O serviço de motoristas via aplicativo, embora reconhecidamente líder de mercado em diversos países, percebeu que os investidores estão medindo o valor das empresas por outra régua: agora, não querem saber somente de receita, mas também de lucro e dinheiro em caixa.
História de unicórnio: o que mudou na Uber?
A realidade mais dura da expectativa dos investidores se traduziu em e-mail interno circulado pelo CEO da empresa, Dara Khosrowshahi. Depois de divulgar os resultados do trimestre e conversar com acionistas, o CEO descreveu mudanças que impactarão o negócio – a maioria delas motivada pela nova vontade dos investidores.
Em um momento de incerteza econômica global, Khosrowshahi destacou que investidores buscam segurança. E, embora a Uber seja líder em corridas de aplicativo e delivery em alguns mercados, os investidores não sabem o quanto isso de fato vale. Além de destacar o plano de lucro para 2024 (US$ 5 bilhões), agora os investidores também estão ansiando por dinheiro em caixa – uma segurança extra de que a empresa não vai ficar sem dinheiro em um momento complicado.
O CEO ainda destaca que a maioria dos empregados da Uber viveu um período muito positivo para empresas de tecnologia e que, agora, terão de enfrentar uma nova realidade, bastante diferente. A empresa terá de mostrar como será lucrativa e de que maneira garantirá reservas de caixa em um futuro próximo.
Responder ao novo momento de mercado, segundo Dara, também significa novas prioridades: a empresa precisará escolher os projetos que valem a pena e deixar de investir em alguns dos que mais consomem capital. Iniciativas de marketing e incentivos com menor retorno serão interrompidos. A empresa como um todo será muito exigente com gastos em geral.
A realidade bate à porta dos unicórnios brasileiros
Os reflexos no mercado nacional também já começam a aparecer: nas últimas semanas, as notícias sobre uma onda de demissões em unicórnios brasileiros pegou muitos de surpresa. Pelo menos quatro grandes startups brasileiras – Quinto Andar, Facily, Creditas e Loft – fizeram cortes em seus quadros de colaboradores e causaram furor no LinkedIn.
A motivação das demissões? Capital. Embora tenham anunciado rodadas de investimento vultosas nos últimos tempos, as startups precisam começar a apresentar resultados financeiros positivos, com lucro e dinheiro em caixa – o que só é conquistado ao reduzir os gastos e aumentar a receita.
Outra razão para os cortes é a possibilidade, bastante real, de que as grandes rodadas fiquem cada vez mais difíceis de conquistar. Ou seja, agora será necessário guardar dinheiro para se estabilizar, em vez de queimar dinheiro para crescer. O cenário macroeconômico não deve ser favorável para emendar rodadas de captação seguidas.
Embora os valores captados possam permitir de 12 a 18 meses de capital de giro para os negócios continuarem seu crescimento, a redução de custos visa justamente ampliar o horizonte de tempo que as reservas de capital podem manter a startup funcionando. Outro motivador também são os gestores dos fundos de investimento, que passaram a recomendar que as startups investidas cortem gastos desnecessários para passar pelo período.
A inovação dos unicórnios morreu?
Então quer dizer que a inovação das startups morreu? Bom, não exatamente. O que mudou foi o cenário para as startups em estágios bastante avançados. Antes acostumadas com grandes quantias de capital disponível e poucas exigências, as startups precisam corrigir o rumo do negócio para sobreviver em uma nova realidade.
As grandes beneficiadas são as startups em estágios mais iniciais, pois essas já enfrentam uma escassez maior de capital e estão no início da construção dos seus negócios, tendo uma chance de ouro para construí-los já pensando no momento atual: sem gastos desnecessários ou grandes equipes e preocupados com lucro (ou pelo menos com alguma previsão – realista – de quando o momento chegará).