Ex-unicórnio vendido

Edição 77

Quanto ganharam os investidores do Loom na venda para a Atlassian.

Mais: O crowdfunding foge à regra; a Voltz tem volta? E quem investe em venture capital no Brasil?

Um ex-unicórnio vendido

Foi quase uma venda bilionária. O Loom, plataforma popular de gravação de tela e áudio para apresentações, foi adquirido por US$ 975 milhões. O Loom chegou a atingir valuation superior a US$ 1 bilhão no passado, tendo atingido o status de unicórnio.

Com a aquisição pela Atlassian de US$ 1,53 bilhão, mesmo abaixo do valuation da última rodada, todos os investidores saíram ganhando. A Atlassian é uma holding de soluções de produtividade, dona do Trello, Jira, Confluence e outros.

Como os investidores se saíram

Via de regra, quem investe antes na startup acaba valorizando mais seu investimento em uma eventual saída. Olha só como ficaram as valorizações de quem investiu em cada rodada.

  • Seed 1: US$ 622 mil de friends and family e angels, retorno de 64x = US$ 42 mi
  • Seed 2: US$ 3.1 mi do fundo 1571, retorno de 25x = US$ 78 mi
  • Series A: US$ 10.7 mi do Kleiner Perkins, retorno de 12.5x = US$ 134 mi
  • Series B: US$ 28.1 mi da Sequoia Capital, retorno de 4.5x = US$ 125 mi
  • Series B+: US$ 23.5 mi, retorno de 2.3x = US$ 55 mi
  • Series C: US$ 130 mi da a16z, retorno de 1.0x = US$ 130 mi

Segundo estimativas, os 3 fundadores da startup saíram com US$ 300 milhões, enquanto os funcionários com outros US$ 100 milhões.

Com a nova companhia-mãe, os 25 milhões usuários do Loom se juntarão aos 10 milhões de usuários ativos mensais da Atlassian, divididos em 250 mil contas corporativas mundialmente.

O crowdfunding foge à regra

equity crowdfunding vive uma história de maturidade crescente nos últimos anos – e está se provando extraordinariamente resiliente em um momento em que o funding do venture capital tradicional fica cada vez mais difícilde acessar.

Isso é verdade no Brasil e também nos EUA. O Pitchbook reportou que foram 449 deals realizados através de equity crowdfunding nos primeiros 6 meses de 2023, 10% a mais que o mesmo período de 2021, embora menor que os níveis de 2022.

A modalidade se tornou alternativa popular para founders que relutam em diluir muito sua participação (como quando captam grandes rounds no início da jornada da startup) ou que enfrentam uma batalha árdua para garantir capital em condições de mercado muito concorridas.

Assim como a CVM no Brasil, a SEC americana aumentou o limite anual de quanto as startups podem levantar através de crowdfunding em um ano: de cerca de US$ 1 milhão para US$ 5 milhões – um impulso para a modalidade.

Alguns pequenos gestores e “micro VCs” – levantando fundos de menos de US$ 50 milhões – também começaram a utilizar plataformas de crowdfunding, de acordo com Chris Lustrino, fundador e CEO da Kingscrowd. Chris afirma:

“No final do dia, é deal flow, né? Se eles podem acessar um determinado negócio e é um bom deal, por que dizer não?”

Uma nova percepção

E não são só os gigantes que acessam os bons negócios, as plataformas de equity crowdfunding ampliam o mercado para incluir investidores amadores e são responsáveis por trazer maior transparência aos deals com empresas privadas.

Isso ocorre porque a maioria das plataformas de crowdfunding exigem que as startups publiquem números de receita e cash burn mais completos do que os fundadores tipicamente divulgam.

De uma maneira ou de outra, o estigma dos rounds via crowdfunding está desaparecendo. Seja por um mercado mais desafiador ou pelas inúmeras histórias de sucesso de empresas que passaram pelo crowdfunding, investidores e empreendedores reconhecem cada vez mais a alternativa como viável e até preferível em alguns momentos da startup.

Os sucessos com exits e grandes rodadas atraem a atenção de outros fundadores, especialmente concorrentes, que começam a perceber, como destaca Pollack:

“se milhares de pessoas estão investindo no seu maior concorrente, esse concorrente agora tem uma vantagem sobre você”.

Enquanto isso, no Brasil

Não é diferente no Brasil: as plataformas de equity crowdfunding se tornaram um refúgio na crise. Em 15 meses, de janeiro de 2022 a março de 2023, a modalidade levantou R$ 75 milhões para startups.

Além do avanço regulatório no país, o amadurecimento do segmento por aqui também passou a atrair investidores institucionais para compor as rodadas.

Segundo Paulo Deitos, cofundador da Captable, o fato de já terem acontecido várias aquisições e ofertas subsequentes de ações de empresas que levantaram capital via crowdfunding, sem que isso tenha prejudicado o investidor, nem afastado o comprador, mostra a evolução do segmento. Paulo complementa:

“O mercado fica mais maduro ao entender que a startup ter centenas de investidores não atrapalha, e em alguns momentos até ajuda nessas transações.”

A Voltz tem volta?

A Voltz viveu uma história tradicional de sucesso no venture capital – pelo menos para quem via de fora. A startup de motos elétricas atraiu, em maio de 2021, um aporte de R$ 100 milhões da Creditas e do UVC, fundo de corporate venture capital do grupo Ultra.

Mas captar rodadas gigantes nem sempre é sinal de sucesso.

No caso da Voltz, prioridades equivocadas e crescimento desenfreado criaram uma bola de neve difícil de derreter. Tudo começou em maio, quando uma ação de despejo de R$ 2,8 milhões na fábrica ocorreu, aí começaram os atrasos nas entregas. 

A reputação da empresa rapidamente deteriorou, nas redes sociais e nas matérias na mídia. O que mais se ouvia eram clientes insatisfeitos e franquias revoltadas com investimentos que não se pagaram. E aí chegaram os processos judiciais.

Quando a rodada da Voltz foi anunciada, o prazo médio de entregas era de 11 semanas e havia 2 mil clientes na lista de espera. Em 2023, segundo a Fenabrave, a empresa vendeu apenas 1.629 motos de janeiro a setembro, uma queda de 55,6% sobre igual período, em 2022. 

Em 2022, a Voltz alcançou 24 mil reservas, das quais, 6 mil foram convertidas em vendas e 10 mil delas foram canceladas. Hoje, a empresa tem 1,5 mil motos pagas a serem entregues – muitas em atraso – e um backlog de reservas de 9,7 mil clientes.

Efeito foie-gras?

A iguaria francesa feita de fígado de pato se tornou analogia para startups que sofrem com injeção massiva de capital. Assim como os patos que produzem o foie-gras, que são alimentados de forma forçada para aumentar o tamanho e composição de gordura no fígado, as startups que recebem rodadas gigantescas são forçadas a crescer rápido.

As dores do crescimento desenfreado e pressão dos investidores para acelerar a escalada logo aparecem.

O venture capital pode produzir negócios excelentes quando as condições são propícias, nas mãos da empresa correta, resultando em crescimento explosivo. 

Mas a realidade é que a maioria das startups que captam rodadas extremamente grandes acabam dando muito errado.

Assim que captam com um fundo de venture capital, as startups entram na esteira do VC – quando as companhias são incentivadas a escalar de forma prematura, queimando dinheiro e reduzindo o horizonte de capital disponível para manter o negócio funcionando.

Com tanta pressão, o foco em ouvir os consumidores, evoluir para atender às dores deles, trabalhar com escassez e alcançar o break-even – quando é possível manter o negócio apenas com as receitas dos produtos –, fica em segundo plano.

Esse crescimento sem contexto se torna uma métrica de vaidade ao invés de uma medida de sucesso. Enquanto o “bom growth” pode favorecer um negócio, o “mau growth” pode criar um ciclo vicioso que cria uma queima de capital insustentável – parece ter sido o caso da Voltz.

O foie-gras virou tendência

Tão cobiçadas quanto a iguaria francesa, as megarrodadas se tornaram desejadas e viraram tendência. Quando se olha para o mundo das empresas tech é possível identificar uma tendência clara de cada vez mais rodadas expressivas acontecendo.

O número de rodadas com volume maior que US$ 100 milhões para startups americanas, por exemplo, quase triplicou entre 2016 e 2018. Diferentes tipos de investidores alimentaram esse crescimento, incluindo fundos de pensão, fundos soberanos e outros.

Mas, sem dúvidas, o principal estopim do crescimento das rodadas foi a chegada do Vision Fund, do Softbank. Com mais de US$ 100 bilhões para aplicar, o fundo fez chover dólares em startups das mais diferentes categorias. Como, imobiliárias (como WeWork e OpenDoor Labs), seguros (Lemonade) e bioengenharia (Zymergen).

Um dos maiores exemplos foi a participação do Softbank no Uber antes do IPO – US$ 7,7 bilhões.

Depois que o Softbank e outros se jogaram de cabeça nos mega-aportes, outros começaram a adotar a prática e as rodadas gigantescas se tornaram rotina.

De lá pra cá, algumas lições foram aprendidas a duras penas no venture capital:

  • Depois do IPO, as startups que receberam mais investimentos tendem a performar pior do que aquelas que levantaram menos.
  • As companhias que conquistaram mais capital quase que em sua totalidade tiveram dificuldades em criar crescimento de longo prazo.
  • Muitas startups que levantaram menos de US$ 100 milhões em toda sua trajetória deram exits excelentes aos investidores.
  • As maiores saídas (exits), com os maiores investimentos enquanto privadas, estão dando cada vez menos retorno aos investidores. As exceções tendem a aparecer mais, como Facebook, que teve muito dinheiro injetado quando privada e trouxe megarretornos aos investidores.

Quem investe em venture capital no Brasil?

O venture capital, ou capital de risco para os íntimos, busca apoiar empresas em sua fase inicial de crescimento ao mesmo tempo que oferece um ativo com alto potencial de valorização – mas, como o nome sugere, também com alto risco.

Como um todo, o mercado de VC vem chamando cada vez mais atenção, já que virou comum acessar portais e ler inúmeras histórias de investidores que multiplicaram seu capital várias vezes investindo nessa modalidade.

Mas já parou para pensar qual o perfil de quem investe em startups?

Segundo pesquisa da ABVCAP com a KPMG, o mercado de venture capital no Brasil é composto principalmente de investidores institucionais – fundos de pensão, family offices, fundações e instituições financeiras –, esses representam 70% do capital comprometido com o segmento no país.

O restante é aportado por pessoas físicas, corporações, fundos de fundos e fundos soberanos.

Como criar um portfólio?

A alocação em VC no portfólio de cada investidor varia proporcionalmente de acordo com o perfil de risco, horizonte de investimento e objetivo particulares de cada um. Mas, de forma geral, o ativo é adequado para investidores com perfil agressivo, que optam por oportunidades de alto retorno, dispostos a assumir os riscos desse tipo de investimento.

Para pessoas físicas, a alocação fica de 1% a 5% do portfólio, prezando pela diversificação de projetos, setores e regiões.

De qualquer forma, o panorama do venture capital no Brasil é muito promissor. De acordo com análise da TTR Data, a indústria de private equity e venture capital no Brasil cresceu muito, movimentando R$ 3,64 bilhões entre julho e agosto de 2023.

Em geral, o Brasileiro que investe em venture capital busca oportunidades de alto retorno e sabe separar a parcela do seu capital que pode ficar exposta a esse nível de risco. 

Fundos de VC e outras maneiras de investir em startups, como o crowdfundingpodem fazer parte do portfólio de quase todos os investidores, desde que se respeite os limites do razoável e que seja incluído alinhando expectativas e riscos do ativo.

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