Edição 69
A Tiger Global protagonizou o maior investimento do ano em uma fintech brasileira.
Mais: Na mesma semana, mais de R$ 750 milhões investidos em startups brasileiras; startup cria embriaguez sem ressaca; unicórnios tardios e uma nova forma de empresas investirem em startups.
O tigre voltou a rugir
Fundada por Chase Coleman na virada do milênio, a Tiger Global conseguiu capitalizar com a queda de valor das empresas de tecnologia após a bolha das pontocom. Ao entrar cedo no jogo, o fundo aprendeu os meandros do setor e apostou alto em algumas das empresas mais promissoras do mercado, como Facebook e Atlassian.
Essas apostas fizeram da Tiger Global um dos fundos de hedge mais lucrativos de todos os tempos, com mais de US$ 90 bilhões em ativos na carteira.
Isso durou até o início de 2022, quando as ações das empresas de tecnologia despencaram nas bolsas ao redor do mundo. Com a desvalorização dessas empresas, a Tiger Global já acumulava em junho do ano passado uma perda de 52%.
Diante de resultados ruins, a Tiger decidiu controlar o seu lendário “apetite” de risco para tomar decisões mais conservadoras e focar em sua recuperação financeira. Algumas pessoas próximas da companhia descreveram a nova abordagem como “um foco em não perder dinheiro”.
Para conter os danos, a Tiger Global teve que reformular suas estratégias de investimento, o que incluiu reduzir muitas das suas participações maiores e vender muitas das menores.
De novo, o cardápio do tigre mudou
Na busca por melhorar seus resultados em 2022, a Tiger Global pode ter perdido boas oportunidades no longo prazo, além de afastá-la da essência do venture capital, que é o risco – mas com chance de retornos extraordinários.
Afinal, o venture capital é uma modalidade que investe em startups, comprando uma participação minoritária, com o fim de valorizar estas ações num futuro.
Agora, o tigre voltou a rugir: a Tiger Global protagonizou o maior aporte em uma fintech latinoamericana do ano – foram US$ 61 milhões ou cerca de R$ 300 milhões investidos na Série B da Nomad, fintech que permite aos brasileiros a abertura de conta-corrente em um banco norte-americano de forma digital.
O CEO da Nomad, Lucas Vargas, afirma que o aporte é consequência de ter conseguido “mostrar que aumentamos muito nossa receita, com uma evolução grande em margem e lucratividade. Chegaremos ao breakeven até o final do ano”.
A previsão da Nomad é fechar 2023 faturando R$ 250 milhões – um resultado 4x maior que o de 2022. Só nos primeiros 7 meses do ano, a Nomad já movimentou mais de R$ 5 bilhões em transações entre países.
O aporte volumoso chama ainda mais atenção por conta do período escasso em investimentos altos em startups – segundo o Distrito, dos 32 aportes realizados em julho, apenas 9 foram em série A ou B, sendo o restante concentrado em estágios anteriores.
O aporte de R$ 300 milhões será usado para captar mais clientes para os produtos já existentes da Nomad e para o desenvolvimento e melhorias de produtos, especificamente os de investimento e crédito.
Além da entrada da Tiger Global, a rodada de série B recebeu follow-on de: Stripes, Spark Capital, Monashees, Globo Ventures, Propel e Abstract.
Curiosamente, antes da rodada atual, a Nomad tinha recebido aporte em maio de 2022, cerca de R$ 160 milhões. Por isso, já havia um sentimento que a Nomad tinha sido uma das últimas a receber aportes no ano passado; se foi, agora pode ser um sinal de que a janela dos investimentos está novamente aberta para as startups brasileiras.
Não bastasse uma, duas rodadas gigantes
O sol está brilhando pra valer e derretendo o gelo do inverno das startups. Prova disso é que além da rodada da Nomad, o Gympass anunciou nesta semana uma rodada de US$ 85 milhões – à um valuation de US$ 2,4 bilhões.
Enquanto o mercado ainda vive tempos incertos e de menor liquidez, o Gympass mostrou sua força ao levantar o aporte de série F, que avaliou a empresa acima dos US$ 2,2 bilhões da rodada anterior, em julho de 2021.
A rodada foi liderada pela EQT, gestora de private equity sediada na Suécia. Além dela, contou com a participação do fundo de clientes da Neuberger Berman, General Atlantic e Moore Strategic Ventures – as últimas duas realizando follow-on.
Segundo o Gympass, o momento atual da empresa é de forte expansão: de janeiro a junho cresceu em 80% a carteira de clientes corporativos, hoje de mais de 15 mil companhias, em comparação com o mesmo período do ano anterior.
Para atingir esse crescimento, o Gympass já levantou um total de US$ 605 milhões desde a fundação, em 2012.
Semana agitada para startups
Não são só as rodadas gigantescas da Nomad e do Gympass que movimentaram a semana nos investimentos em startups. Outras três rodadas e duas aquisições demonstram a volta de apetite por startups:
- A A de Agro captou R$ 28 milhões em rodada liderada pela DXA Invest, com participação da Suno.
- A Cumbuca levantou US$ 3 milhões, em rodada liderada pela Lightspeed Venture Partners (novata em investimentos no país), com participação da Supera Capital, o fundo de VC para early stage da Globo Ventures.
- A Coala Saúde captou R$ 12,5 milhões, liderada pela Owl Ventures, especializada globalmente no mercado de edtech.
- A Howdy adquiriu a GeekHunter.
- O BTG Pactual adquiriu a Magnetis.
Fique bêbado – sem álcool e sem ressaca
Uma startup londrina parece ter encontrado a receita para todo mundo que adora a descontração do álcool e, no dia seguinte, se arrepende de ter bebido. O famoso: “nunca mais bebo tanto”.
Encontrar o equilíbrio entre alcançar os efeitos de descontração proporcionados pelo álcool e perder os limites é uma tarefa que desafia os seres humanos há séculos.
Com a nova bebida desenvolvida pela startup inglesa GABA Labs, parece que esse problema ficará no passado. Tudo começou quando o fundador desistiu de encontrar um remédio que curasse o alcoolismo – que desligasse os sistemas cerebrais responsáveis por desencadear um vício.
Em lugar de resolver o problema depois de estabelecido, passou a pesquisar uma maneira de cortar o mal pela raiz – mesmo.
Fundada em 2016, em Londres, a GABA Labs nasceu da pareceria entre o engenheiro David Orren e o médico David Nutt, um dos grandes nomes da neuropsicofarmacologia mundial.
A startup acaba de lançar a Sentia, uma bebida capaz de proporcionar as sensações agradáveis do inebriamento etílico, sem os efeitos colaterais mais perigosos e inconvenientes do álcool.
A proposta e a receita secreta
O objetivo é tornar a Sentia uma alternativa funcional, focada no bem-estar e deixar para trás opções alcoólicas com sérios efeitos colaterais. A bebida é vendida por 30 libras em uma garrafa de 500ml – há duas versões: a ‘black’ para hora do almoço, durante o expediente. E a ‘red’ para finais de semana, em momentos de relaxamento.
Para chegar à formulação atual, dois anos de pesquisas e US$ 9 milhões em investimentos foram necessários. As duas versões contém uma mistura de cerca de 12 ingredientes botânicos: magnólia, sálvia, casca de laranja, anis estrelado, ginseng, cardamomo preto, absinto, tomilho, canela, entre outros. As proporções da receita são um segredo.
Fato é que a mistura é capaz de ativar mecanismos cerebrais semelhantes aos ativados por alguns shots de tequila, algumas latas de cerveja ou duas a três taças de espumante. A Sentia age no neurotransmissor Gaba – uma substância produzida naturalmente pelo organismo, responsável pelo relaxamento.
Algumas doses de Sentia depois, há uma leve sensação de embriaguez, sem o risco de perder o controle, sem os efeitos colaterais danosos do álcool e sem ressaca – pelo menos a ocasionada pelos componentes químicos, a moral ainda é sua responsabilidade.
Unicórnios: menos e mais tarde
Uma espécie em extinção, unicórnios passaram a nascer mais lentamente: em julho foram apenas dois novos – em 2021, eram 2 por DIA útil! Em 2022 a média ainda era superior a 1 unicórnio por dia. Ou seja, a queda é recente.
Julho também marcou o mês com o menor volume de investimento em startups que já são unicórnios. Foram US$ 2,2 bilhões levantados, um terço de julho de 2022, que marcou investimento de US$ 6,6 bilhões.
Além de serem menos volumosos, os unicórnios passaram a ganhar o status com mais tempo de vida. Com a queda dos valuations, os investidores ficaram mais reticentes em graduar uma startup para o clube do US$ 1 bilhão antes da Série C da startup.
Em 2022, 77 startups chegaram ao valor de unicórnio no early-stage – seed, Série A ou Série B. Em 2023, apenas 18 chegaram ao status em uma rodada early-stage. Caso mantenham o ritmo, apenas 31 startups early-stage chegarão à marca.
Os números, é claro, não são chocantes para quem acompanha o mercado de investimento em startups. Os venture capitalists começaram a valorizar mais elementos antes observados mais frequentemente apenas por investidores de Bolsa: lucro e fluxo de caixa. Por isso, os valuations privados declinaram significativamente, deixando mais longe o sonho de unicórnio para startups early-stage.
Sem IA, a coisa seria ainda pior
Os Estados Unidos lideraram globalmente na criação de unicórnios no early-stage em 2023: foram 9, no total. A China veio logo após com 6. Dos 9 unicórnios-relâmpago americanos, 4 vieram do segmento de Inteligência Artficial Generativa.
Em março, a Character.Ai fechou uma série A de US$ 150 milhões a um valuation de US$ 1 bilhão, liderada por Andreesen Horowitz; no mesmo mês, a Adept AI levantou US$ 350 milhões em uma série B liderada pela General Catalyst com valuation post-money de pelo menos US$ 1 bilhão.
Em maio, foi a vez da CoreWeave levantar US$ 200 milhões na extensão da Série B realizada pela Magnetar Capital – semanas após levantar outros US$ 221 milhões – fechando um valuation de US$ 2 bi; em junho a Typeface levantou uma série B de US$ 100 milhões, liderada pela Salesforce Ventures, com valuation de US$ 1 bilhão.
Além de IA, startups de carregamento de carros elétricos, energia solar, armazenamento de energia e extração mineral também tiveram algumas startups jovens que se tornaram unicórnios nos primeiros 7 meses do ano.
A redução no número de unicórnios no early-stage é outro sinal de que os investidores de venture capital estão vivendo uma nova realidade. E isso não é necessariamente negativo: as startups deverão ter um caminho mais saudável de crescimento – sem pular etapas.
Muito CVC, ajuda necessária
Mais de 100 fundos de CVC já operam no país, segundo a ABVCAP. Nos últimos 3 anos houve uma explosão no número de fundos de corporate venture capital (CVC) puxado pelo maior interesse das companhias em investir em inovação e pela retração dos VCs tradicionais (conforme comentamos na edição #66).
Esse movimento das empresas investindo em outras startups também é decorrente da conclusão em que chegaram: apostar em equipes internas para aprimorar serviços não é suficiente para se manter relevante. As empresas perceberam que para acompanhar a velocidade de transformação imposta pela tecnologia é necessário percorrer novos caminhos, como a associação e investimento em startups.
Ainda que recente no Brasil, comparado aos EUA e Europa, a modalidade de investimento ganhou força durante a pandemia. Em 2022, o volume de investimento dos CVCs saltou para US$ 779 milhões – em 2020, foram US$ 242 mi.
Antes desse boom, apenas algumas companhias – aquelas mais visionárias – se relacionavam com startups. Com a corrida pela digitalização impulsionada pelas restrições de mobilidade da pandemia, houve uma virada no mercado.
Daqui pra frente – um novo mundo
Mesmo com o fim das restrições da pandemia, os investimentos de empresas em startups devem continuar aumentando por conta de vivermos um tempo em que softwares estão redefinindo o modelo de negócios das empresas e que os desafios das corporações estão naturalmente relacionados à tecnologia.
Outro fator que deve continuar impulsionando o mercado de CVC: o diferencial desse tipo de investimento. O CVC une pilares fundamentais para uma empresa, trazendo retorno financeiro, estratégico e operacional. Tudo em uma só operação.
É possível que o investimento traga novos produtos para a empresa, no âmbito estratégico; que gere redução de custos, no campo operacional; e que se multiplique muitas vezes, gerando retorno financeiro.
Para as empresas que decidem investir no setor, há dois caminhos: a abertura de uma subsidiária, uma empresa de propósito específico (SPE), ou por meio de negócios especializados em investimentos – geralmente fundos multicorporate.
Uma nova possibilidade
Começar um CVC demanda tempo, expertise, equipe e paciência. O processo envolve cinco longas fases: a construção da tese, a configuração do CVC (como os aportes serão realizados), validações das premissas, conexão com o ecossistema empreendedor (conectando-se com startups, hubs e outros VCs) e, por fim, estruturar a tese de investimento das startups analisadas.
Por conta dessa complexidade, um novo serviço vem ganhando força para auxiliar as empresas nesse processo: o VC as a Service. Esse tipo de iniciativa fornece apoio para que as empresas consigam estruturar, criar e gerir seus CVCs eficientemente.